Por Fram Paulo
O povo que sofreu, virou santo milagreiro, santo de casa obrando milagres, um santo coletivo, as almas do povo que é santo.
Neste domingo, 13 de novembro de 2011 acontece em Senador Pompeu, no Sertão Central cearense, a 29ª Caminhada da Seca, evento tradicional do município, de grande importância para o fortalecimento da identidade cultural, difusão das atividades artísticas e potencialização do turismo religioso e cultural da região. Uma caminhada que simboliza a luta do povo nordestino por direitos básicos, por condições de vida digna para todos. Representa a esperança, um caminho de mudanças na qualidade da educação, acesso á terra para produzir.
A caminhada da seca
Um cemitério rústico em meio à caatinga, no sopé da serra do Patu no município de Senador Pompeu, tem grande importância para a história, para a cultura, para a fé e para religiosidade popular da região. Uma pequena capela com um cruzeiro à sua frente, rodeados por um muro branco, outro cruzeiro de metal dando boas vindas, construído com a colaboração da comunidade. Um local que transmite uma energia tal, que está além da compreensão humana. Santuário da seca, o campo santo do sertão, tão importante, tão simbólico, como todos os outros lugares sagrados que existem ou existiram no universo.
Todo ano no segundo domingo do mês de novembro, milhares de pessoas participam de uma procissão, saindo da igreja matriz até o cemitério da barragem, como o local é conhecido na comunidade. A procissão ficou conhecida por Caminhada da Seca e é realizada em homenagem aos flagelados da seca do ano de 1932, onde no local funcionou um campo de concentração, em que milhares de sertanejos foram aprisionados e viveram em condições desumanas. A fome, a sede e as doenças provocaram a morte de milhares de sertanejos vindos de diversos lugares do Ceará e até de outros estados, atraídos pela promessa de trabalho na construção de uma barragem, que teve suas obras paralisadas no ano de 1923. Foi muito sofrimento, segundo relatam os que sobreviveram, tudo por conta da famigerada, da peste, da besta fera, a SECA. Como pode o ser humano ser capaz de se adaptar às condições mais extremas do planeta Terra, de sobreviver num deserto ou em locais onde só há gelo? Encontrar dificuldades de sobrevivência em uma região que é semiárida, onde a natureza moldou-se de forma a garantir o florescimento da vida?
Todo o sofrimento vivenciado pelos flagelados foi convertido em devoção, motivados pela fé, pela esperança, pelo desejo inconsciente de se indignar. O povo que sofreu, virou santo milagreiro, santo de casa obrando milagres, um santo coletivo, as almas do povo que é santo, que intercede pelo povo que sofre. Mas falta aos caminheiros da caminhada da seca, das almas da barragem, das almas do povo, a compreensão e o sentido prático da caminhada da seca. Não é a tragédia em si, não é a seca fenômeno natural, não é a fome e a sede, é a compreensão inconsciente de se ser humano e ter essa humanidade arrancada à força pelo semelhante, o próximo, pelo ser desenhado à imagem e semelhança de Deus, que no âmbito da sua “complexidade” acha-se no direito de negar direitos, de explorar, de matar. A caminhada da seca é símbolo não só religioso, mas também de compreensão da condição de vida no sertão semiárido, da necessidade de aprender com a natureza do sertão, aprender a ver, a compreender, a ser, viver e conviver. Deus não tem culpa da seca, como parte dos sertanejos acreditam, muito menos o diabo, não existem culpados diante o fenômeno natural da estiagem. “Deus e o diabo na terra do sol” são os olhos da ignorância, formando a imagem desértica da incompreensão, dando aos astutos do poder a lente ofuscante da dominação, a ilusão de ótica que leva ao erro metafísico.
Toda a irresponsabilidade, toda a crueldade do ano de 1932, no campo de concentração de flagelados, é latente e viva nos gestores públicos atuais do município. Ainda bem que a caminhada da seca é motivada por sentimentos e razões que estão além das forças políticas e econômicas do município, estão além inclusive da própria igreja, por ser um sentimento que pertencente à coletividade, portanto a caminhada da seca é um patrimônio cultural, coletivo, imaterial do povo de Senador Pompeu.
A caminhada da seca é símbolo da busca por justiça social, pelo simples direito de ser, de viver e conviver com dignidade no semiárido.
Fazemos parte da rede do Portal Revista Central - informação em tempo real com credibilidade.
acesse: www.revistacentral.com.br
0 Comentários:
Postar um comentário