quinta-feira, 21 de julho de 2011

Supremacia do ser sobre o ter

Por João Baptista Herkenhof
Através de Gabriel Marcel vi explicitada a filosofia da casa em que nasci.



Os meios de comunicação social vêm-se encarregando,  com agressividade cada vez maior, de propor o consumo como meta de vida.  O sistema econômico vigente tem, nos mecanismos de mercado competitivo, o fundamento de sua organização.  O parâmetro de êxito pessoal, imposto pela cultura dominante, é possuir e consumir.


Nasci  numa casa modesta, em Cachoeiro de Itapemirim. Pais pobres, pobreza escolhida e assumida. Respirei a simplicidade no viver como atmosfera da infância. Ter apenas o essencial, naquela casa em que nasci, era tão espontâneo, que  nunca me senti privado do supérfluo.



Foi preciso crescer, ler, refletir, encontrar Gabriel Marcel para compreender a dimensão ética daquele não ter.


Segundo Marcel, o ter é uma fonte de alheamento. Aquilo que possuímos ameaça de nos tragar. Os homens que vivem na zona do ter são almas cativas que sofrem uma deficiência ontológica com a perda do ser. Tais homens são indiferentes ao outro. Não estão à disposição.  Fogem no momento de perigo. Para o homem que vive na dimensão do ter, todas as  coisas são problemas; para o que entra em seu próprio ser, convertem-se em mistério.


ser, já por si, é um  mistério:  não se pode comprovar, computar e dominar, mas apenas reconhecer.


Através de Gabriel Marcel vi explicitada a filosofia da casa em que nasci.


Dentro dessa perspectiva é que entrei para a Academia Espírito-Santense de Letras.  Não se tratava de ter: a cadeira, a honra.  Mas de ser. Não lutar e morrer pelo mundo das coisas. Não perseguir valores do pragmatismo.


Depois do ingresso na Academia, tive a alegria de constatar que eu me integrava à convivência de pessoas que também vivem na dimensão do ser.


É um grupo fraterno, não de competidores, mas de companheiros.


Como é belo que as vitórias de cada um sejam celebradas por todos: cada livro publicado, cada prêmio conquistado, cada viagem pelos caminhos do mundo, tudo isto é vivido na partilha.


Comparecer às reuniões não é uma obrigação, mas um momento de fraternidade e de paz.


No poema Fraternidade, ao desenhar este sentimento, que é o mais nobre do espírito humano, Newton Braga escreveu:


“Esta sensibilidade, que é uma antena delicadíssima,

captando pedaços de todas as dores do mundo,

e que me fará morrer de dores que não são minhas.”


Só há disputa, dentro da Academia, no momento da escolha de um novo membro: sempre vários candidatos concorrem à vaga que se apresenta.


Mas depois, quando o candidato derrotado numa eleição é vitorioso na eleição seguinte, o primeiro a saudar o novo confrade é justamente aquele acadêmico que foi competidor do que é agora sufragado pela maioria.


João Baptista Herkenhoff
Professor pesquisador da Faculdade Estácio de Sá de Vila Velha (ES), conferencista e escritor. Autor de: Dilemas de um juiz – a aventura obrigatória (Editora GZ, Rio). E- mail: jbherkenhoff@uol.com.br Homepage: www.jbherkenhoff.com.br. 

Colunista do portal Revista Central
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