"Homens com cheiro de flor", segundo longa do cearense Joe Pimentel, está sendo rodado em Quixadá. Entre ficção e realidade, o sertão é cenário para uma nova abordagem sobre os crimes de pistolagem
Contemporâneo e polêmico. O novo longa-metragem do cineasta cearense Joe Pimentel promete. As gravações se encerram esta semana, no cenário cinematográfico dos monólitos de Quixadá. Após sete semanas no Interior do Ceará, tendo passado também por Cascavel e filmado ainda em Fortaleza, o produtor-diretor e sua equipe retornarão à capital exaustos, mas aliviados, após travarem nos sets uma luta constante em busca de um elemento abundante no Ceará, mas ironicamente escasso no período das gravações: o sol.
Com um orçamento muito limitado para a proposta inicial do roteirista Emmanuel Nogueira, "Homens com cheiro de flor" promete revolver o debate sobre uma prática ainda muito comum no cenário regional: a pistolagem. Seguro e realista, Joe Pimentel não garante uma mega-produção. Precisava de R$ 2,8 milhões. Só conseguiu captar a metade desse valor.
A dedicação do elenco é um dos trunfos do diretor para superar as adversidades na produção do novo filme que, mesmo a um ano da ocasião agendada para lançamento - o 21° Cine Ceará - já está intrigando o público. Há quem o tenha associado a outros temas, como a homossexualidade. Terão surpresas. Resta ver se a expectativa se traduzirá em bilheteria capaz de fazer frente ao filme anterior de Joe, "Bezerra de Menezes - O Diário de um Espírito", seu primeiro longa, em parceria com Glauber Filho, com produção de Luiz Eduardo Girão.
Joe não descarta a possibilidade de seu primeiro longa independente mobilizar o interesse de plateias numerosas, mas, por ora, prefere ressaltar o "amor à arte" como principal motivação, em um cenário de dificuldades para a produção audiovisual, no Ceará e no plano nacional. "´Bezerra de Menezes´ surpreendeu porque atraiu um segmento específico, os espíritas", reconhece, também mantendo o pé no chão da realidade. "Poderia ser melhor. Temos excelentes profissionais, tanto na frente como atrás das câmaras. Faltam apenas recursos econômicos. Abusamos da criatividade, mas não é suficiente para conquistar espaço nesse concorrido circuito, ainda dominado pela indústria cinematográfica americana. O cinema nacional sobrevive graças às políticas de governo nessa área".
Difícil seleção
O cineasta se refere aos editais do Ministério da Cultura (MinC) e dos Estados. Coincidentemente, quando resolveu fixar suas retinas no roteiro original - aproveitando o Concurso de Apoio ao Desenvolvimento de Roteiros Cinematográficos, inéditos de longa metragem, do gênero ficção de baixo orçamento, realizado pela Secretaria do Audiovisual do Ministério em 2004 -, Joe não imaginava enfrentar um desafio tão grande.
O projeto, assinado pela Lumiar Comunicação e Consultoria e pela Trio Filmes, foi selecionado entre 562 concorrentes. E conquistou o primeiro lugar dentre os cinco aprovados.
Não foi fácil. Apenas 10 projetos foram escolhidos para o "pitching" da banca examinadora. A maioria dos concorrentes apostava em projetos com um numero reduzido de sequencias e poucos personagens. Na proposta do cineasta cearense havia muitos personagens e várias locações.
Com 10 minutos para defender os planos esboçados ao longo de noites e mais noites sem dormir, Pimentel se concentrou e disparou sua munição. O tiro foi certeiro, mas, como em confronto de bala é difícil não sair ferido, o cineasta foi obrigado a reduzir as sequências cinematográficas, de 100 para 81. O roteiro original perdeu mais um pouco da sua essência, mas manteve a aposta em um viés antropológico na abordagem do tema proposto.
O roteiro também foi contemplado, em 2009, no VII Prêmio Ceará de Cinema e Vídeo, do Governo do Estado do Ceará. Assim, o projeto nasce inserido integralmente na política de regionalização da produção cinematográfica nacional. Une um roteiro premiado pelo MinC - que tem fomentado a formação e o surgimento de novos roteiristas - com a experiência do realizador audiovisual cearense, reconhecido por trabalhos premiados como os curtas-metragens "Retrato Pintado" e "Câmera Viajante".
Matadores no sertão
"Homens com cheiro de flor" trata de um assunto polêmico, contundente, mas ainda sem o devido aprofundamento pelo cinema brasileiro: o cotidiano dos matadores de aluguel. Para esses homens, matar é um negócio que faz parte da economia de mercado. E cada alma, de acordo com sua posição social, tem um preço. O mais impressionante é que esse comércio da morte ainda faz parte da paisagem rural e urbana do Brasil, estampando com frequência as manchetes dos jornais.
O enredo transita em torno da história de três pistoleiros. Deodato, que deseja abandonar o ofício; Zé Galego, que ao matar a bezerra da fazendeira Maria Calaça, embora meio desajeitado, acaba se envolvendo com o malfadado ofício de encaminhas almas para o inferno, ou para o céu; e Custódio, que deixa de ser policial para se transformar em matador de aluguel.
No entrecruzamento da vida desses três personagens se revela a antropologia da pistolagem: crenças, costumes, lendas, desejos e valores. O roteiro desenvolve-se pelo que Carl Gustav Jung chamou de sincronicidade: não se prende a uma descrição sequencial dos acontecimentos, mas se presta a elencar a coincidência dos eventos, em que todos os personagens principais são intérpretes de uma mesma situação. Daí a ausência de um protagonista. Isso acontece por meio de uma narrativa cinematográfica entrecortada, permeada de flashbacks e, principalmente, pela utilização de cenas repetidas sob pontos de vistas diferentes.
Além do auxílio do experiente diretor de fotografia Antonio Luiz Mendes, Joe Pimentel se considera feliz na escolha do elenco para o novo filme. A aposta é em atores e atrizes de teatro, cinema e televisão, nomes de exposição ainda não tão intensa para um público mais amplo. Joelson Medeiros (Deodato), Démik Lopes (Zé Galego), Aury Porto (Custódio da Cruz), Simone Iliescu (Romana) e Guilherme Tortolio (Miguel adolescente) e Arthur Mota (Miguel criança) se destacam no elenco. Victória Pozzano (Raquel), Pedro Domingues (Ananias), Nelito Reis (Regivaldo), Joca Andrade (Antônio), Rodger Rogério (Julião) e Fabíola Liper (Calaça) também integram o cast. Pondo em cena os matadores.
Fique por dentro
Violenta realidade
Algumas horas antes da gravação de algumas das últimas cenas do longa-metragem no Centro de Quixadá, tendo como cenário de fundo o Colégio Sagrado Coração de Jesus, um crime de pistolagem se consumava a alguns quilômetros dali, na vizinha cidade de Banabuiú. Dois pistoleiros tentaram executar um policial militar e acabaram sendo mortos no confronto. O policial ficou ferido. Um cunhado dele não teve a mesma sorte. A polícia já identificou e procura o mandante do crime, que contratou os matadores de aluguel. Enquanto isso, familiares lamentam as mortes dos "homens com cheiro de flor".
ALEX PIMENTEL
Contemporâneo e polêmico. O novo longa-metragem do cineasta cearense Joe Pimentel promete. As gravações se encerram esta semana, no cenário cinematográfico dos monólitos de Quixadá. Após sete semanas no Interior do Ceará, tendo passado também por Cascavel e filmado ainda em Fortaleza, o produtor-diretor e sua equipe retornarão à capital exaustos, mas aliviados, após travarem nos sets uma luta constante em busca de um elemento abundante no Ceará, mas ironicamente escasso no período das gravações: o sol.
Com um orçamento muito limitado para a proposta inicial do roteirista Emmanuel Nogueira, "Homens com cheiro de flor" promete revolver o debate sobre uma prática ainda muito comum no cenário regional: a pistolagem. Seguro e realista, Joe Pimentel não garante uma mega-produção. Precisava de R$ 2,8 milhões. Só conseguiu captar a metade desse valor.
A dedicação do elenco é um dos trunfos do diretor para superar as adversidades na produção do novo filme que, mesmo a um ano da ocasião agendada para lançamento - o 21° Cine Ceará - já está intrigando o público. Há quem o tenha associado a outros temas, como a homossexualidade. Terão surpresas. Resta ver se a expectativa se traduzirá em bilheteria capaz de fazer frente ao filme anterior de Joe, "Bezerra de Menezes - O Diário de um Espírito", seu primeiro longa, em parceria com Glauber Filho, com produção de Luiz Eduardo Girão.
Joe não descarta a possibilidade de seu primeiro longa independente mobilizar o interesse de plateias numerosas, mas, por ora, prefere ressaltar o "amor à arte" como principal motivação, em um cenário de dificuldades para a produção audiovisual, no Ceará e no plano nacional. "´Bezerra de Menezes´ surpreendeu porque atraiu um segmento específico, os espíritas", reconhece, também mantendo o pé no chão da realidade. "Poderia ser melhor. Temos excelentes profissionais, tanto na frente como atrás das câmaras. Faltam apenas recursos econômicos. Abusamos da criatividade, mas não é suficiente para conquistar espaço nesse concorrido circuito, ainda dominado pela indústria cinematográfica americana. O cinema nacional sobrevive graças às políticas de governo nessa área".
Difícil seleção
O cineasta se refere aos editais do Ministério da Cultura (MinC) e dos Estados. Coincidentemente, quando resolveu fixar suas retinas no roteiro original - aproveitando o Concurso de Apoio ao Desenvolvimento de Roteiros Cinematográficos, inéditos de longa metragem, do gênero ficção de baixo orçamento, realizado pela Secretaria do Audiovisual do Ministério em 2004 -, Joe não imaginava enfrentar um desafio tão grande.
O projeto, assinado pela Lumiar Comunicação e Consultoria e pela Trio Filmes, foi selecionado entre 562 concorrentes. E conquistou o primeiro lugar dentre os cinco aprovados.
Não foi fácil. Apenas 10 projetos foram escolhidos para o "pitching" da banca examinadora. A maioria dos concorrentes apostava em projetos com um numero reduzido de sequencias e poucos personagens. Na proposta do cineasta cearense havia muitos personagens e várias locações.
Com 10 minutos para defender os planos esboçados ao longo de noites e mais noites sem dormir, Pimentel se concentrou e disparou sua munição. O tiro foi certeiro, mas, como em confronto de bala é difícil não sair ferido, o cineasta foi obrigado a reduzir as sequências cinematográficas, de 100 para 81. O roteiro original perdeu mais um pouco da sua essência, mas manteve a aposta em um viés antropológico na abordagem do tema proposto.
O roteiro também foi contemplado, em 2009, no VII Prêmio Ceará de Cinema e Vídeo, do Governo do Estado do Ceará. Assim, o projeto nasce inserido integralmente na política de regionalização da produção cinematográfica nacional. Une um roteiro premiado pelo MinC - que tem fomentado a formação e o surgimento de novos roteiristas - com a experiência do realizador audiovisual cearense, reconhecido por trabalhos premiados como os curtas-metragens "Retrato Pintado" e "Câmera Viajante".
Matadores no sertão
"Homens com cheiro de flor" trata de um assunto polêmico, contundente, mas ainda sem o devido aprofundamento pelo cinema brasileiro: o cotidiano dos matadores de aluguel. Para esses homens, matar é um negócio que faz parte da economia de mercado. E cada alma, de acordo com sua posição social, tem um preço. O mais impressionante é que esse comércio da morte ainda faz parte da paisagem rural e urbana do Brasil, estampando com frequência as manchetes dos jornais.
O enredo transita em torno da história de três pistoleiros. Deodato, que deseja abandonar o ofício; Zé Galego, que ao matar a bezerra da fazendeira Maria Calaça, embora meio desajeitado, acaba se envolvendo com o malfadado ofício de encaminhas almas para o inferno, ou para o céu; e Custódio, que deixa de ser policial para se transformar em matador de aluguel.
No entrecruzamento da vida desses três personagens se revela a antropologia da pistolagem: crenças, costumes, lendas, desejos e valores. O roteiro desenvolve-se pelo que Carl Gustav Jung chamou de sincronicidade: não se prende a uma descrição sequencial dos acontecimentos, mas se presta a elencar a coincidência dos eventos, em que todos os personagens principais são intérpretes de uma mesma situação. Daí a ausência de um protagonista. Isso acontece por meio de uma narrativa cinematográfica entrecortada, permeada de flashbacks e, principalmente, pela utilização de cenas repetidas sob pontos de vistas diferentes.
Além do auxílio do experiente diretor de fotografia Antonio Luiz Mendes, Joe Pimentel se considera feliz na escolha do elenco para o novo filme. A aposta é em atores e atrizes de teatro, cinema e televisão, nomes de exposição ainda não tão intensa para um público mais amplo. Joelson Medeiros (Deodato), Démik Lopes (Zé Galego), Aury Porto (Custódio da Cruz), Simone Iliescu (Romana) e Guilherme Tortolio (Miguel adolescente) e Arthur Mota (Miguel criança) se destacam no elenco. Victória Pozzano (Raquel), Pedro Domingues (Ananias), Nelito Reis (Regivaldo), Joca Andrade (Antônio), Rodger Rogério (Julião) e Fabíola Liper (Calaça) também integram o cast. Pondo em cena os matadores.
Fique por dentro
Violenta realidade
Algumas horas antes da gravação de algumas das últimas cenas do longa-metragem no Centro de Quixadá, tendo como cenário de fundo o Colégio Sagrado Coração de Jesus, um crime de pistolagem se consumava a alguns quilômetros dali, na vizinha cidade de Banabuiú. Dois pistoleiros tentaram executar um policial militar e acabaram sendo mortos no confronto. O policial ficou ferido. Um cunhado dele não teve a mesma sorte. A polícia já identificou e procura o mandante do crime, que contratou os matadores de aluguel. Enquanto isso, familiares lamentam as mortes dos "homens com cheiro de flor".
ALEX PIMENTEL
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