Por João Vieira Picanço
Quando eu era pequeno todas as minhas
decepções, dores, feridas e tristezas tinham um único bálsamo, remédio e
oração: o pirulito do meu pai. Um pirulito oferecido com o carinho do meu velho
tinha o poder divino de apaziguar o coração. Até a tristeza da derrota nos
joguinhos de bila, bola de gude, para os mais letrados, o pirulito suprimia.
Até hoje não sei de onde vinha esse poder mágico: se da minha ingenuidade de
criança ou da sabedoria e carinho do meu pai. Mas vou dar crédito ao meu pai.
Ele era de um tempo em que o fio do bigode era nota promissória e se morria
pela palavra quebrada. Era de um tempo em que se educava os filhos pelo
exemplo. Era ao mesmo tempo severo e ameno. Severo na correção dos seus erros e
na retidão do caráter e ameno no trato com as pessoas e no oferecimento sublime
da guloseima confortante. Adélia Prado no poema A COISA MAIS FINA DO MUNDO escreve:
Minha mãe achava estudo
A coisa mais fina do mundo.
Não é.
A coisa mais fina do mundo
É o sentimento.
Aquele dia de noite, o pai fazendo
serão, ela falou comigo:
"Coitado, até essa hora no serviço
pesado".
Arrumou pão, deixou tacho no fogão com
água quente.
Não me falou em amor.
Essa palavra de luxo.
Já meu pai achava coisa fina a
honestidade e coisa de luxo a vergonha. E passou essa crença e valores para os
filhos. Não sei se o meu querido velho sobreviveria nos dias atuais com a
escassez dessas duas: honestidade e vergonha. Todos sabem que participo da
política, acredito na política, incentivo a política. Inclusive exerci cargo
politico eletivo. Mas sinto-me órfão ultimamente. Aqueles em quem acreditei me
trairam e ao povo. Vejo um presidente que tem um assessor de confiança preso
com uma mala de propina; vejo uma oposição tão suja e comprometida quanto os
gestores atuais; vejo ministros do supremo tribunal federal sem credibilidade
pra julgar um roubo de galinhas; um procurador da republica com assessor de
confiança defendendo ladrão e bandido. Vejo uma classe política em que a regra
é o engôdo e a mentira. Uma tristeza. Chego a invejar Cazuza. Se os seus heróis
morreram de overdose, os meus heróis estão morrendo de falta de vergonha e
cinismo. Onde buscar esperança? Onde buscar alento? Se todos os dias somos
bombardeados e surpreendidos com mais delação de roubalheira e patifaria. E o
pior de tudo é inércia e apatia do povo. Assiste a esse filme de terror sentado
na platéia se esquecendo que o filme é uma autobiografia e que ainda pode mudar
o final. Zé Geraldo, na música MILHO
AOS POMBOS, diz:
"Tudo isso acontecendo e eu aqui
na praça
Dando milho aos pombos"
Vejo que hoje estamos cantando:
"Tudo isso acontecendo e nós aqui apáticos chupando o dedo."
Aí me dá uma vontade enorme de gritar: - Cadê meu pirulito?
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