segunda-feira, 14 de maio de 2012

Enquanto isso no face... ROTINA

Por Aldenor Freitas de Queiroz


É manhã, cedinho o agricultor sai de sua morada.

No horizonte o arrebol brilhando incandescente antes do sol nascer. Está no sertão central cearense em pleno abril, que os mais velhos dizem ser o mês que mais gosta de chover. Pensativo, olha para o firmamento, não vê sinais de chuva. Faz um pedido em forma de pequena oração: roga a Deus para mandar chuva pro sertão.


O dia vai clareando, o sol esquenta fugaz. O rurícola caminha a passos lentos, cabisbaixo, boné surrado na cabeça, de tão estragado, não dá mais para identificar sua origem nem a logomarca, pé-duro aceso na boca, maltrapilho, calçado com uma sandália de borracha de tiras entre os dedos, tão velha e gasta que a metade do calcanhar toca o chão ardente da estrada. Enxada bem batida no ombro e uma pequena faca embainhada no cós da calça velha e nodoada envolto por um cordão de rede atado à cintura.

O homem é magro, macérrimo, mas é forte, trabalhador, crente no poder divino. Crê em São José, que o abandonou fechando as torneiras do céu: nada de chuva, nenhum sinal tem.

Chega à roça, a plantação o acolhe entristecida e com muita sede, nem o orvalho da noite caiu. O milho e o feijão estão murchos. Contempla lamentando melancólico cenário com desesperança de encher a panela com os grãos de sua pequena lavoura, que semeou com dificuldades. Não há jerimum nem melancia, só alguns maxixes pequenos, encruados no pé amarelado.
Mesmo assim, perante a hesitação de colheita, começa seu dedicado trabalho acariciando o chão seco e poeirento com sua enxada afiada, limpando o plantio, chegando terra nas covas dos pés de feijão e do milho, que é para fortalecer o cultivo, que está atrofiado e abatido. Ele não desiste, mesmo diante desta cena.

Lá pro meio dia, o sol a pino esquenta o espinhaço do rurícola, sapecado por seus raios ardentes. Acostumado com a quentura do sertão, tira o boné da cabeça, bate com ele na perna e o põe de volta, bebe água na garrafa plástica envolta por um saco de pano molhado que estava na sombra de um desmedido toco mal queimado. Acende um pé-duro. Nada para comer. Olha novamente para o firmamento desprezado pelas nuvens, nada de chuva, sobra esperança que Deus vai transformar esse quadro de incerteza.

Volta para casa no mesmo passo, pisando sobre seus rastros da vinda, vence o mesmo caminho. Chega ao lar, uma choupana de taipa mal acabada, uma parte da parede esburacada está mostrando o interior da tapera de dois vãos, chão batido, sem mobília, uma mesinha sequer, apenas um fogão à lenha aceso com uma panela em cima da grelha preta, tisnada pela fumaça e pelo uso contínuo.

A companheira e três filhos pequenos o recepcionam. O menino mais velho vestia apenas um calçãozinho rasgado, a menina com um antigo vestidinho simples, aberto nas costinhas e descosturado na cintura, o mais novo nu e sujo de barro vermelho do chão, a esposa com os cabelos despenteados, amarrados com uma tira, usava vestido estampado de flores desbotadas. Suas fragilidades corporais e sociais denunciam as precárias condições a que estão expostos.

A matriarca começa a servir o almoço: um pouco de feijão de corda escuro com gorgulhos, cozido com pedaços de toucinho, acompanhado de farinha de mandioca numa pequena bacia de plástico para o pai e em pratinhos de plástico para os filhos e para ela. Usavam todos, colheres envelhecidas para se deliciarem com a gostosa alimentação do meio dia e tanto.

À tarde, pouco depois do descanso, sentados no chão, recostados à parede de barro, o marido e a mulher fumam um pé-duro, levantam-se e retornam a seus afazeres.
A mesma preocupação os aflige: a estiagem que já se prolonga por muitos dias. Quase não choveu nem em janeiro, nem em fevereiro. Pouquinha chuva nos meses seguintes e agora fica por conta de Deus.

Retorna à roça, solitário e sombrio, resta-lhe o sonho de ver a água caindo do céu, molhando a terra, deslizando pelos córregos que estão órfãos, esquecidos pelo Santo da Chuva, executa com carinho novamente seu trabalho.

Ao Por do sol, retorna para casa. A mesma recepção o espera. Ao anoitecer é posta a janta. Um pouco da comida que sobrou do almoço. Depois acendem um pé-duro para os dois companheiros, vão até a porta, olham para o alto, vêem as estrelas no céu limpo e a lua que não tem uma lagoa em sua volta. Talvez a estiagem persista. Só Deus sabe.

Entram, vão dormir. As redes armadas com pedaços de corda atados às forquilhas da cumeeira acolhem aquelas almas abatidas pela dura rotina das suas labutas, pelo sofrimento e a impotência diante da atual situação que estão enfrentando, embora com garra e fé.

Sentados em suas tipóias, fazem uma prece, exaustos se deixam deitar e adormecer.
É manhã, cedinho o agricultor sai da sua morada.

Queiroz, Aldenor Freitas de, Crônicas, Ibaretama-CE., abril, 2012.

Originalmente publicado no facebook em 10 de Maio de 2012.

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